terça-feira, 5 de abril de 2011

O NOVO PROFISSIONAL DA SAÚDE: UMA MUDANÇA DE PARADIGMA?

Por Cristina Aiach Weiss
Não podemos falar da adoção de novos paradigmas sem falar da renúncia aos antigos. É preciso desobstruir o caminho para que a inovação se manifeste. Tal asserção, valida em diferentes campos do conhecimento e da atividade humana, manifesta-se, de forma muito pronunciada, no setor de saúde. Esse segmento vem passando por transformações aceleradas e radicais. Muito se tem especulado acerca de seu futuro. E diversas variáveis precisam ser consideradas na elaboração de qualquer prognóstico minimamente confiável:

1 - O envelhecimento da população;

2 - A utilização, cada vez maior, de sofisticadas tecnologias diagnósticas e terapêuticas;

3 - A gestão da informação como ingrediente fundamental para a eficácia processo assistencial;

4 - O impacto dos três fatores anteriores nos custos do sistema;

5 - O acelerado processo de desospitalização, com a substituição de grandes e onerosas estruturas hospitalares por flexíveis redes ambulatoriais.

Os estudiosos do setor vêm-se debruçando sobre essa complexa realidade. E vários cenários futuros têm sido desenhados. Neste contexto, também os profissionais de saúde, aqueles que intermedeiam a relação entre as instituições e os pacientes e desempenham um papel fundamental no processo assistencial, se indagam sobre seu amanhã. Um amanhã que, em muitos casos, já acontece hoje. Interessa-nos especialmente o desenvolvimento humano desses profissionais. Que características devem ser superadas? Que características devem ser desenvolvidas?

Os profissionais de saúde são, primordialmente, seres humanos que cuidam de seres humanos. Tal afirmação possui uma profundidade muito maior do que se suspeita. Porque, nesse cuidar, deve-se levar em conta não apenas a saúde física, mas também a saúde emocional, intelectual e até espiritual do paciente - vale dizer sua saúde integral. A expectativa é extremamente abrangente. E, para atendê-la, para ser um profissional competente nos moldes do novo paradigma que se desenha, o indivíduo precisa adicionar à sua proficiência, aos seus conhecimentos técnico-científicos e às suas habilidades operacionais, um vasto repertório de competências nas áreas de comunicação, relacionamento interpessoal e administração de conflitos.

Não há duvida de que os pacientes esperam encontrar profissionais de saúde cientificamente embasados e tecnicamente competentes, conhecedores do estado da arte de suas áreas de especialidade. Isso é imprescindível. Mas não é tudo. Nem o bastante. Pois, cada vez mais, esse profissional é também chamado a atender outras expectativas do paciente: suas inseguranças, seus medos, suas angústias, sua necessidades humanas de acolhimento, conforto e esperança. Essas competências intangíveis são tão importantes quanto à capacidade de realizar a contento os procedimentos padrões da área. E exigem indivíduos aperfeiçoados, como profissionais e como pessoas. No ciclo de diagnóstico, tratamento e reabilitação, ressaltam-se os profissionais que possuam qualidades como:

1 - Aptidão para escutar,

2 - Abertura mental,

3 - Capacidade de abrir mão de pontos de vistas pré-concebidos,

4 - Sabedoria para lidar com incertezas,

5 - Capacidade de reconhecer e responder a problemas éticos.

Como promover tais qualidades?

A tarefa deveria se iniciar no próprio contexto acadêmico, atribuindo-se a tais competências a mesma importância e atenção dada às disciplinas técnico-científicas. É preciso que nossas escolas técnicas e faculdades se aparelhem para oferecer uma formação muito mais abrangente e multifacetada. Ao mesmo tempo, cabe às instituições de saúde, por meio de suas políticas de educação continuada, cuidar para que, no âmbito profissional, essas competências continuem se desenvolvendo.

Não é trivial, a colaboração da instituição na formação do profissional da saúde. Dois momentos, em especial, parecem ser especialmente propícios para a afirmação da nova tendência nas instituições: o da seleção e o da avaliação de desempenho. A decisão de agregar um novo profissional a uma equipe pré-estabelecida não pode se pautar apenas pelo currículo acadêmico e pelo cabedal técnico-científico do candidato. Suas experiências prévias de vida e trabalho também precisam ser cuidadosamente consideradas. Características como sensibilidade, versatilidade e equilíbrio merecem especial atenção. Bem como as crenças e valores individuais. No que a pessoa acredita? Em que aposta? Onde coloca suas expectativas? A quem julga servir? Ao paciente, à instituição, à profissão ou a si mesma? Em sua hierarquia de valores, que peso relativo atribui a itens como trabalho, família, desenvolvimento pessoal e crescimento espiritual? Estas e muitas outras perguntas deveriam nortear os processos de seleção.

Muito se sabe sobre o QI (quociente intelectual). Nos últimos 20 anos, tem-se falado também em QE (quociente emocional). E, mais recentemente, os estudiosos passaram a levar em conta o chamado QS (quociente espiritual). Este conceito engloba a incessante busca do sentido da vida e sua conexão com as experiências cotidianas. Por que estamos aqui? Para onde caminhamos? Porque adoecemos, se somos pessoas boas? Tais indagações, que fazemos a nós mesmos nos recessos de nossas consciências, são fortes indicadores de nosso grau de maturidade espiritual. Sua importância, no contexto das instituições de saúde, de forma alguma pode ser considerada marginal. Cada vez mais, os profissionais de saúde são convocados a ultrapassar os limites de sua formação técnica, a fim de atender as expectativas do paciente, que, por sua vez, busca, ele mesmo, entender o sentido de sua doença e estimar suas possibilidades de cura, solicitando acolhimento e orientações que vão muito além do tratamento clínico.

Na prevenção e tratamento das doenças e na promoção integral da saúde, muitas alternativas têm-se apresentado, além das tradicionais. Alternativas embasadas em saberes milenares ou em moderníssimas pesquisas científicas. Ainda que não as adotem necessariamente em suas práticas cotidianas, ou as conheçam a fundo, os profissionais de saúde não podem se dar ao luxo de ignorá-las. Este e outros requisitos são necessários para que desenvolvam uma visão mais abrangente da doença e de suas possibilidades de cura. Dominar o estado da arte de suas especialidades, contribuir para o seu desenvolvimento, e agregar-lhe novas abordagens acerca das questões fundamentais da existência humana, como fatores complementares na busca da saúde e da felicidade: nada menos do que isto é o que se pede ao novo profissional de saúde. E tal pedido configura, por si mesmo, uma completa e profunda mudança de paradigma.

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